A Cáritas Regional Minas Gerais denunciou a Fundação Renova ao Ministério Público de Minas Gerais por problemas relacionados aos cuidados com os animais atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A Renova é acusada de descumprir uma série de acordos, principalmente no que diz respeito ao fornecimento de alimentação: o envio de comida insuficiente ou inadequada tem causado fome e até a morte de animais, configurando uma grave situação de maus-tratos.
Após o rompimento da barragem em Mariana, foram assinados diversos acordos, nos quais as mineradoras Samarco, Vale e BHP se responsabilizavam pelos cuidados aos animais atingidos. Um dos mais importantes diz respeito ao fornecimento de alimentação adequada, todavia as famílias atingidas têm reportado problemas desde 2017. Elas relatam que os alimentos têm que ser deslocados de grandes distâncias, além de não serem entregues no prazo. Muitas vezes, essas famílias recebem uma quantidade insuficiente para os animais e não conseguem adquirir alimento extra na região, em razão da escassez provocada pelo desastre e da queda na renda das famílias. “Agora a silagem tá vindo, mas sempre quando atrasa aqui, atrasa para todo mundo também”, destaca Marta de Jesus Peixoto, atingida de Paracatu de Cima que já enfrentou períodos sem receber a alimentação animal e, por vezes, recebeu trato estragado para os animais.
A situação se agrava quando se trata das criações de cavalos que precisam comer feno, alimento que a Renova deixa faltar. No desespero, criadores submetem seus cavalos à substituição do feno por silagem (alimento fermentado, prejudicial para o aparelho gastrointestinal de animais não ruminantes), o alimento não é recomendado, pois pode gerar sérios problemas nas articulações e prejuízo na locomoção dos animais. Mesmo com essa substituição, os animais ficam desnutridos, o que tem provocado abortos nas éguas.
Em novembro de 2020, os atingidos foram surpreendidos com a informação de que a Fundação Renova não forneceria mais o alimento. Ao invés disso, ela iria depositar o valor do auxílio emergencial da alimentação animal em conta. “Quando a Renova queria dar o dinheiro, aí ficou muito tempo sem a silagem aqui”, afirma Marta. A Fundação recuou após forte crítica das famílias atingidas, que conseguiram um acordo junto ao Ministério Público para que a medida fosse aplicada apenas para quem quisesse. Na ocasião, ela também se comprometeu a não deixar faltar alimento para os animais. A promessa não foi cumprida: em 10 de dezembro de 2020, a Fundação Renova não entregou o alimento aos atingidos, alegando que não tinha contratos de fornecimento vigentes e que seria necessária cotação, contratação de fornecedor, entre outras ações que não foram feitas em tempo hábil.
Outro problema diz respeito à infraestrutura dos terrenos em que muitas famílias foram alocadas “provisoriamente”. Os locais apresentam erosões, pastos subdimensionados, problemas com cercas e currais ou estão distantes de onde as criações foram alocadas. Em ambos os casos, a criação dos animais acaba sendo lesada, assim como a geração de renda da família, agravando consequentemente o endividamento dos atingidos. Para a família de Marta, a falta de lugar apropriado para a criação é um dos maiores problemas para o cuidado com a criação. “Não tem lugar de guardar o trato porque a Renova não fez o curral pra nós ainda. A silagem tem que colocar no tempo e tampar com plástico. Eles argumentam que enquanto não fizer nossa casa não pode fazer nosso curral”, afirma a atingida.
Outro exemplo do descaso é o narrado pela família Cerceau. Esse grupo familiar se mudou de Paracatu de Baixo em 2019. Durante o transporte dos animais, alguns animais sofreram descaso, cinco galinhas, uma pata que estava chocando e alguns pintinhos, foram deixados para trás. “Não voltaram para buscá-los, alguns pintinhos morreram no transporte e nunca perguntaram qual o valor dos animais que morreram e ficaram para trás”, relata Naife Cerceau. Apesar de solicitar, a família nunca recebeu a silagem, como consequência, os animais ficaram desnutridos e com baixa produção de leite. “O sítio que estamos hoje não tinha estrutura para alimentação e manuseio do gado, tivemos que improvisar e comprar o alimento do nosso bolso, estourando o orçamento familiar”, conclui a atingida.
Os animais que foram levados para uma fazenda em Barra Longa, sob a responsabilidade da Fundação Renova, também estão em risco. Há relatos de atingidos que viram seus animais magros, sem aparo da crina, com casco desgastado e sem doma, o que os torna mais agressivos com o tempo. A dificuldade de convivência dos proprietários com suas criações ficaram ainda mais complicadas durante a pandemia da Covid-19. Essa situação é um fator de sofrimento para as pessoas, como Claudiano dos Santos, atingido de Bento Rodrigues, que recebeu uma foto de um dos seus cavalos com ferimentos no olho. Alguns dias depois, ele ficou cego. O atingido suspeito que isso tenha ocorrido em função desse equino estar dividindo espaço com outro garanhão, ação não recomendada, uma vez que os bichos podem se machucar com coices. Claudiano não recebeu nenhuma explicação.
Em nota, a Fundação Renova se posicionou a respeito da denúncia “A Fundação Renova informa que, desde de novembro de 2015, vem fornecendo alimentação animal para os produtores impactados diretamente pelo rejeito decorrente do rompimento da barragem de Fundão. Até o momento, já foram entregues mais de 45 mil toneladas de alimentos. A Fundação tem como obrigação manter esse atendimento até que a retomada das atividades produtivas seja realizada, conforme cláusula 125 do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta.
A Fundação esclarece que para esse fornecimento existem critérios que levam em consideração o impacto e as áreas das propriedades rurais e das áreas urbanizada. A quantidade de alimentação animal fornecida para cada família é avaliada por profissionais especializados e o manejo dessa alimentação é de responsabilidade de cada família, não sendo fiscalizado pela Fundação. Além disso, os animais também são assistidos pelo Programa de Assistência aos Animais, recebendo atendimento de veterinários conforme a necessidade demonstrada pelas famílias. Os animais adquiridos após ocorrência do rompimento não são abarcados pelo Programa da Fundação Renova.
A Fundação esclarece, ainda, que há famílias que têm se recusado a receber a alimentação fornecida sob o argumento de não concordar com o tipo de alimentação. Tal fato será demonstrado ao Ministério Público para investigação. A Fundação Renova reitera que todos os produtores têm canal aberto com as equipes da Renova para demais esclarecimentos que se fizerem necessários em relação às quantidades de insumos que estão recebendo e aos critérios estabelecidos, sempre guardando a isonomia do processo.
A Fundação Renova também apoia os produtores rurais que foram impactados pela passagem do rejeito por meio da implantação de um modelo de produção econômica sustentável adequado à realidade local. Entre as ações têm destaque o fomento e o apoio à readequação ambiental dessas propriedades conforme preconizam as normativas da legislação brasileira.
Nas propriedades na região do Alto Rio Doce, localizadas em um trecho de 100 quilômetros entre a barragem de Fundão e a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, nos municípios de Mariana, Barra Longa, Ponte Nova, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado: