O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou Ação Civil Pública pedindo a extinção da Fundação Renova, instituída em 2016 para gerir e executar medidas previstas nos programas socioeconômicos e socioambientais estabelecidos no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) em decorrência do maior desastre ambiental brasileiro e o maior do mundo: o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, ocorrida em novembro do ano anterior. Conforme a ação, a fundação vem atuando muito mais como um instrumento de limitação da responsabilidade das empresas mantenedoras (Vale e BHP Billiton) do que como agente de efetiva reparação humana, social e ambiental.
Devido aos problemas governamentais da entidade, traduzidos em desvio de finalidade e ineficiência - a prestação de contas da fundação foi rejeitada por quatro vezes -, o MPMG pede ainda, em caráter liminar, a intervenção judicial com a nomeação de uma junta interventora para exercer a função de conselho curador, incluindo um desenho institucional de transição. “É urgente a situação de perigo e de risco ao resultado útil do processo, em razão da ineficácia dos programas geridos pela entidade, dos desvios de finalidade, como as propagandas enganosas praticadas e outras práticas ilícitas e inconstitucionais”, diz trecho da ação.
Na ação, o MPMG pede também que as empresas Samarco, Vale e BHP sejam condenadas à reparação dos danos materiais causados no desvio de finalidade e nos ilícitos praticados dentro e por intermédio da fundação, com a frustração dos programas acordados no TTAC, além de condenação por danos morais no valor de R$10 bilhões.
De acordo com o MPMG, no modelo por intermédio do qual a fundação está estruturada e em funcionamento, sem independência e autonomia e com práticas de desvios de finalidades, é evidente a sua ilicitude constitucional e legal e impossível a sua manutenção. Para que se tenha ciência, as ações em curso pela fundação consumiram até o momento um valor superior a R$10 bilhões, mas seguem sendo executadas com excessivo atraso e baixíssima eficácia. “É inconcebível que uma fundação funcione sem autonomia e independência, que são princípios que devem caracterizar a criação, a existência e o funcionamento de uma Fundação. Era para a fundação funcionar como se fosse uma instituição social, autônoma e independente, sem fins lucrativos, e canal de acesso à justiça na reparação e compensação dos gravíssimos danos sociais e ambientais causados pelo rompimento da Barragem do Fundão.”, diz trecho da ação.
Na prática, segundo o MPMG, a fundação, em suas decisões, é comandada pelas empresas responsáveis pelos ilícitos e pelos graves danos sociais e ambientais causados, Samarco, vale e BHP. “É como se fosse autorizado que os acusados no processo penal e nos processos coletivos em geral pudessem decidir e gerir os direitos e as garantias fundamentais das suas próprias vítimas” comparam os promotores de Justiça que assinam a ação, Gregório Assagra e Valma Leite.
Além disso, não obstante os altos salários praticados na fundação aos seus dirigentes, o que em tese deveria corresponder a um trabalho realizado com excelência, a entidade sempre teve dificuldades de gestão, até mesmo em observar simples regras previstas em seu estatuto fundacional, como o envio, dentro do prazo, de atas de reuniões de seus conselhos para análise e eventual aprovação pelo Ministério Público.
Se não bastassem as irregularidades, a entidade ainda está veiculada à diversas propagandas nas mais diversas emissoras de televisão, rádio e sites enaltecendo os “resultados” da reparação dos danos, tendo celebrado contrato com uma agência de publicidade no valor de R$ 17,4 milhões, propagando informações inverídicas. “Faltam resultados, falta reparação, falta boa vontade das empresas: falta empatia e humanidade para com as pessoas atingidas. Cinco anos depois, as duas maiores empresas de mineração em todo o mundo não conseguiram reconstruir um único distrito”, conclui a ação.
No dia 2 de março de 2016, os entes federativos União, Estado do Espírito Santo e Estado de Minas Gerais firmaram, com as empresas Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda., o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). O termo estabeleceu 42 programas voltados à reparação socioambiental e socioeconômica dos territórios afetados em 40 municípios em um trecho de aproximadamente 650 km de extensão, o que foi ratificado pelo Termo de Ajuste de Conduta (TAC Governança), assinado em 2018 entre os signatários do TTAC, o Ministério Público Federal, os Ministérios Públicos Estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo, as Defensorias Públicas da União e dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Foi a partir do TTAC que o Poder Público e as empresas responsáveis pelo dano instituíram a Fundação Renova.
O desastre, ocorrido em 5 de novembro de 2015, foi capaz de despejar mais de 44 milhões de m³ de rejeitos de mineração na bacia do rio Doce, que seguiram o curso dos rios Gualaxo do Norte, Carmo, Piranga e Doce, em uma avalanche que, além de provocar a morte de 19 pessoas, arrasou rios e nascentes, dizimou parte da flora e fauna, destruiu vilas e comunidades, incluindo casas, empresas, hotéis, patrimônios públicos e históricos. Foram atingidos 680 quilômetros percorridos desde o subdistrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais, até o mar de Regência, no litoral capixaba e, no Espírito Santo, a lama, em seu amálgama com rejeitos de mineração, se espalhou, acabando com toda a vida marinha numa área de 40 quilômetros quadrados, deixando danos sociais e ambientais com extensão inédita no país e no mundo.