Morrer é tão natural quanto nascer; com uma diferença notória: surgimento e desaparecimento. Aqui não entramos no mérito do espiritualismo ou qualquer outra crença, e nos que creem na vida após a morte. Falo exclusivamente da vida nesta vida. A visualidade e a presença física do ser. Os hábitos matinais, vespertinos, crepusculares. A rotina de uma vida impregnada de afazeres, de deveres, de lazer, de felicidade, de tristezas, de saúde, de doença... Fiquei vinte e dois dias na casa de mãe convalescendo de uma histerectomia. Dormi no quarto de solteiro que fica contíguo à suíte dela. A casa é grande. Cômodos espaçosos para ocupação confortável dos filhos em tempos passados. Talvez o engenheiro tenha exagerado no tamanho, mas na época foi crucial para a família de cinco filhos, pai e mãe, sem contar outras pessoas que moraram na casa da Rua Maria Carolina, na cidade de Santa Bárbara, Minas Gerais. E nesse tempo de repouso físico e mental percebi com um olhar diferente a ausência de um ser importante da família. Ontem, perversamente ontem, respirei e transpirei o peso do luto de mãe. Passagem tortuosa, pungente, que corta a alma e o coração. Dor de alma é dor dolorosa. É dor que não há palavras para expressá-la de maneira precisa, científica ou didática como muitos dizem. Dor de alma não tem tamanho... Ontem, estupidamente ontem, senti o peso do luto de mãe. Um peso gelado e solitário que transpirava de sua alma à noite. Se eu não tivesse sensibilidade poética, jamais compreenderia aquela cena no meio da noite ao adentrar o quarto para ir ao banheiro. Não compreenderia o som diferente do silêncio e o motivo do breu no ambiente por causa das janelas totalmente cerradas... Não compreenderia o vazio e o lado esquerdo vazio na cama. Não notaria o desaparecimento súbito do outro ser. Não perceberia que o lado esquerdo da cama de casal estava intacto. Não veria que do lado direito da cama tinha uma figura encolhida e enrolada no cobertor de xadrez azulado e bege. Não notaria que do lado esquerdo da cama, no lugar do corpo que se fora, tinha um lenço molhado de lágrimas que transpiravam e transbordavam vales de solidão. Na véspera de minha partida, um soluço tímido saiu de seus lábios descorados. Olhar triste; fundo de alma visualizado microscopicamente como se eu tivesse um aparelho especial que detectasse com precisão e exatidão um nódulo na alma. Ontem, amargamente ontem, vi a alma de minha mãe. A alma sofre, a alma sente o peso metálico e ardiloso do luto. A alma de mãe chora um choro sofrido, lastimável, comovente... A alma de mãe lamenta, sofre e sente a perda dia após dia, mas reage energicamente perto dos filhos. A alma de mãe é triste, mas forte, pois continua transbordando amor, um amor infinito, inigualável e insubstituível, que não há tempo, motivo e nem razão para explicar esse sentimento tão puro e invulgar que existe no mundo.
Andreia Donadon Leal