Como vai, professor Urariano Motta? Demorou um pouco a leitura do texto narrado em Histórias para adolescentes pobres. Li o relato com satisfação. E como gostei de sua forma de ensinar Português para adolescentes de bairros populares. Ou como o senhor disse: “... de tentar ensinar o muito pouco que sei”. Hoje neste mundo de produção avalanche, adolescentes e crianças estão menos ávidos por escrever. Não há meio termo, quando a iniciativa ou interesse parte deles; fantástico e produtivo. O que me aborrece são os pais que empurram filhos que não querem de forma alguma fazer o que os “gestadores” almejaram para eles, antes mesmo de a cria nascer. Os alunos estão mais exigentes e vividos. Ensinar e aprender no terceiro milênio virou desafio. A garotada de hoje necessita de exemplos e de boas estórias, preferencialmente contadas e vivenciadas pelos educadores. Alguns procuram exemplos na vida dos mestres. Confiam, admiram, outros até desprezam ou xingam, quando o ralho vem na hora certa; mas no fundo guardam boas lembranças, destes personagens que tiveram passagem marcante em suas vidas. Sei até hoje, já não sei amanhã, quando o tempo carcomer neurônios e apagar um pedaço da memória, o nome da minha primeira professora: Maria José. Uma maestrina exigente, de cara fechada, diria hoje, sisuda. Sofrida acho ou talvez, triste. Solteira. De uma disciplina e conteúdo impecáveis. O sorriso que desenhava a boca era um pequeno risco. Conversei pouquíssimas vezes com ela, por causa da timidez excessiva na época e respeito pelo mestre. Abaixava a cabeça, quando via minha professora na calçada ou atravessava a rua. Lembro que em seu aniversário, muitos alunos levaram presentes; flores, caixas de bombons, lenços perfumados e outros mimos comprados pelos pais. Eu, filha de pai pobre e trabalhador, não tive condições de comprar o vaso de flores da floricultura. – Final de mês é complicado! O dinheiro guardado é para o mercado. Dizia meu pai pacientemente. Morávamos numa casa bem pequena, de três cômodos. Minha mãe dividia os cômodos com guarda-roupas. Apesar do tamanho, o lar era aconchegante. – Quem sabe mais pra frente, as coisas melhoram. E aí, vocês terão uma casa bem maior. Peguei uma folha de caderno, a mais branca possível; desenhei o vaso de flores, que vi na floricultura e gostaria de presentear a professora. Fiz alguns esboços, joguei algumas folhas fora, e enfim terminei para mim na época, o melhor desenho com a seguinte frase no rodapé: “Tia Maria, hoje não tenho o vaso de flores para dar-lhe de presente, mas fiz o desenho do presente que meu pai não teve condições de comprar. Final de mês é complicado, disse ele”. E isso não é nada, professor Urariano Motta. A professora pegou o papel e olhou para mim com o mesmo semblante sisudo, olhar diferente; deu-me um abraço apertado e carinhoso, que fiquei emocionada. Tive vontade de chorar, ali mesmo, na frente de todos os colegas que me encaravam. Maria José não disse uma palavra. Isto aconteceu nos meus sete anos de idade. Se eu pudesse prever o futuro ou conseguir expressar a emoção que esta mulher me deu! Hoje são poucas coisas que me surpreendem na vida, e esta me arremessou para a incredulidade e perplexidade. Doce perplexidade, prezado professor. Nos meus 34 anos de idade, retornei à cidade, onde estudei e passei bons anos de minha vida. Fui convidada pela Casa de Cultura para abrir a III Semana da Cultura na cidade, com a exposição “Mostra de Arte Aldravista - Portais de Minas”, no Salão Nobre da Câmara. Um dos lugares mais importantes do Município. O tempo passa, professor! Passa e dá nó na garganta da gente. Na abertura da exposição chega uma mulher na porta, de bengala e papel em uma das mãos. Custei a reconhecê-la, não por esquecimento, mas por incredulidade, mesmo. No limiar da porta, a professora Maria José; expressão menos sisuda, suavizada pelas marcas do tempo. Postura impecável, apesar da bengala. Atravessou vagarosamente o grande salão e discretamente, entregou-me o papel desbotado e amarelado pelo tempo, sussurrando em meu ouvido: – Hoje, meu vaso de flores para você!