Diretores e executivos da mineradora BHP estão sob risco de prisão após municípios afetados pela tragédia de Mariana provarem nos tribunais ingleses que a empresa planejou e financiou ação do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação busca impedir que as prefeituras continuem suas reivindicações por reparação no Reino Unido.
Após mentir e ser exposta na corte de Londres, a BHP admitiu ter concordado em pagar R$ 6 milhões para custear o processo. A empresa enfrenta uma ação coletiva no Tribunal Superior de Londres movida pelo escritório internacional Pogust Goodhead, representando mais de 600 mil vítimas do rompimento da barragem do Fundão, incluindo 46 municípios. As indenizações são avaliadas em R$ 230 bilhões, com julgamento marcado para outubro deste ano.
A juíza O’Farrel, responsável pelo caso, assinou uma ordem nesta segunda-feira (22) proibindo a mineradora, suas subsidiárias ou agentes, de continuar apoiando a ação do IBRAM no STF, inclusive financeiramente. A ordem afirma que se a BHP Group (UK) Ltd, a BHP Group Ltd ou qualquer pessoa agindo em nome ou com a autoridade da mineradora não cumprir a ordem judicial, poderão “ser considerados em desacato ao tribunal e podem ser presos, multados ou ter seus ativos congelados”. Além disso, a mineradora terá que solicitar ao IBRAM a desistência da medida cautelar no Brasil que busca restringir a comunicação dos municípios com seus advogados na ação inglesa. “A BHP tentou todas as manobras sujas possíveis para prejudicar as vítimas e é justo que os diretores da BHP agora enfrentem a prisão se não pararem. A BHP deveria gastar dinheiro reparando os danos que causaram e compensando totalmente as vítimas, mas em vez disso está gastando milhões tentando atrapalhar o julgamento. Do que eles têm medo?”, disse Tom Goodhead, CEO e sócio-administrador global do Pogust Goodhead.
Em 11 de junho, o IBRAM entrou com uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, questionando a participação de mais de 50 municípios brasileiros em litígios na Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e Holanda, justificando que estes representariam uma ameaça à soberania nacional. Os municípios reagiram com um pedido de liminar à Corte inglesa, apresentando provas do envolvimento da BHP na investida do IBRAM.
A peça apresentada pelas prefeituras cita atas do conselho do IBRAM, datadas de 23 de maio, nas quais está registrado que a própria BHP solicitou que o instituto acionasse o STF para “contestar a possibilidade de municípios brasileiros litigarem ações judiciais no exterior sobre casos ocorridos no Brasil, especialmente no caso do colapso da barragem do Fundão”. Cerca de três semanas depois, o IBRAM fez exatamente isso.
Inicialmente, a BHP, por meio de seus advogados do escritório Slaughter and May, negou qualquer relação, informando em carta que “não participaram da decisão do IBRAM de iniciar a ação”. Em 10 de julho, porém, a Vale – que havia se tornado ré na ação inglesa por iniciativa da BHP – expôs a mineradora australiana ao apresentar um depoimento em que Alexandre D’Ambrosio, Vice-presidente Executivo de Assuntos Corporativos Institucionais da Vale, afirma ter recebido em abril um telefonema de Emir Calluf Filho, Vice-presidente Jurídico para Américas da BHP, informando sobre a intenção da BHP de solicitar ao IBRAM a abertura da ADPF. Ambrosio também revelou que o presidente do instituto, Raul Jungmann, o informou previamente sobre o assunto. Três dias depois de protocolar o depoimento de Ambrosio, a Vale fez um acordo com a BHP para deixar de ser ré na ação inglesa.
Confrontada com as evidências apresentadas pelos municípios, a BHP admitiu ter concordado em financiar a ação do IBRAM no valor de R$ 6 milhões e aceitou as condições sugeridas pelos municípios sem resistência.
Quase nove anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), vítimas do desastre estão cada vez mais perto de obter justiça nos tribunais da Inglaterra. Mais de 600 mil atingidos, representados pelo escritório Pogust Goodhead, buscam indenização da mineradora anglo-australiana BHP Billiton na maior ação coletiva ambiental do mundo. Entre os reclamantes, estão indivíduos, mais de 20 mil indígenas e quilombolas, 46 municípios e aproximadamente 1,5 mil empresas, autarquias e instituições religiosas. Somadas, as indenizações chegam a R$ 230 bilhões (US$ 44 bilhões). O julgamento está marcado para iniciar em outubro de 2024, em Londres.