Apesar da queda pontual registrada na última terça-feira (6), quando o dólar fechou em R$ 5,658, uma redução de 1,40% em relação ao dia anterior, a moeda norte-americana tem apresentado uma trajetória de alta em 2024, acumulando uma valorização de 16,75% frente ao real. Este cenário de desvalorização da moeda brasileira levanta preocupações sobre possíveis impactos econômicos, especialmente no que diz respeito à inflação.
Carla Beni, economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que o aumento contínuo do dólar pode resultar na elevação dos preços de alguns produtos, refletindo diretamente na inflação. “É importante esclarecer que aumentos ou reduções pontuais do dólar não necessariamente vão impactar no aumento dos preços. É preciso analisar períodos maiores de tempo para saber se o dólar está subindo de fato. Nesse sentido, podemos afirmar que o real já desvalorizou de 12% a 15% em relação ao dólar no último ano”, explica.
Segundo a especialista, a valorização da moeda norte-americana pode influenciar a alta de produtos importados e também de itens nacionais que dependem de insumos ou componentes estrangeiros. “É o caso da agricultura. Os grãos são nossos, mas muitas vezes dependemos de fertilizantes importados. A partir do momento que um fertilizante fica mais caro, a produção dos grãos encarece e o preço é repassado aos consumidores”, exemplifica.
A economista alerta que produtos como o trigo, amplamente importado pelo Brasil, podem sofrer aumentos significativos, impactando diretamente o preço de itens como pães e massas. “Podemos fazer algumas estimativas. O trigo, por exemplo, é algo que importamos muito e é um ingrediente essencial na fabricação do pãozinho e das massas. Então, pode acontecer desses produtos subirem de preço”, afirma Beni.
Para ilustrar a dependência do Brasil em relação ao trigo importado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informa que o trigo é o segundo item de maior participação na pauta de importações, atrás apenas da cadeia de petróleo, colocando o país no topo da escala dos maiores importadores mundiais.
Além disso, a alta do dólar pode estimular as exportações, uma vez que muitos empresários preferem vender seus produtos no mercado externo devido à valorização da moeda estrangeira. “É o caso do café. No primeiro semestre deste ano houve aumento de 40% nas exportações em relação ao mesmo período de 2023”, destaca a economista.
A seca do ano passado comprometeu a qualidade da produção de café, reduzindo o tamanho dos grãos e aumentando a escassez do produto no mercado. Isso, somado ao aumento das exportações, mantém os preços altos para o consumidor brasileiro. “Além disso tudo, o café é um produto que não falta na mesa do brasileiro. É aquele tipo de coisa que, mesmo estando caro, as pessoas compram pois não conseguem ficar sem consumir. Assim, a alta demanda contribuiu para a manutenção dos preços altos”, explica Beni.
Para enfrentar a inflação, a economista sugere que os consumidores priorizem produtos da estação, que geralmente têm preços mais acessíveis. “Já que você não consegue ficar sem o cafezinho, tente trocar as frutas, por exemplo. A laranja ficou mais cara? Faz suco com a uva, que está mais barata. Pode acreditar que esses produtos da cesta básica fazem uma diferença enorme no dia a dia”, recomenda.
Os analistas do mercado financeiro elevaram a estimativa de inflação para este ano pela terceira semana consecutiva, passando de 4,10% para 4,12%, segundo o relatório “Focus” do Banco Central (BC), divulgado na segunda-feira (5). A meta central de inflação é de 3% para 2024, sendo considerada cumprida se o índice oscilar entre 1,5% e 4,5%.
A alta inflação afeta principalmente o poder de compra dos trabalhadores com salários menores, pois os preços dos produtos aumentam sem que os salários acompanhem esse crescimento. “Quanto maior a inflação, menor é o poder de compra das pessoas, principalmente das que recebem salários menores”, conclui Carla Beni.
A valorização do dólar e suas consequências para a economia brasileira seguem como temas de grande relevância, exigindo atenção e estratégias de mitigação por parte de consumidores e autoridades.