A tramitação da ação movida por atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana contra a mineradora BHP Billiton, na Justiça da Inglaterra, pode atrasar ou até inviabilizar a repactuação do acordo no Brasil. Esse é um dos temores das autoridades envolvidas no processo. A preocupação é que, caso a BHP Billiton, uma das controladoras da Samarco, seja forçada a fazer um acordo na Justiça britânica, a mineradora desista de garantir a repactuação no Brasil, o que inviabilizaria ou tornaria o acordo parcial, diminuindo o valor da indenização aos envolvidos.
Pelo menos 700 mil pessoas, entidades, prefeituras e empresas assinam a ação contra a mineradora na Justiça inglesa. Os advogados sustentam que o sistema jurídico brasileiro não tem sido capaz de assegurar a devida reparação, que já se arrasta por sete anos. A indenização pedida pelos atingidos chega a R$ 230 bilhões. A próxima audiência na Inglaterra está marcada para 9 de abril de 2024, quando a Justiça britânica deve analisar o pedido de indenização. “É uma pauta de preocupação, sim, esse assunto estar sendo discutido no Tribunal de Londres. Precisamos ser muito mais céleres (do que a Justiça na Inglaterra), porque, se esse acordo for julgado lá, isso enfraquece muito a nossa discussão jurídica aqui. Quanto mais céleres nós formos, melhor para todos nós”, pontuou o líder da maioria, deputado Carlos Henrique (Republicanos).
Em audiência pública, realizada nesta segunda-feira (27/3), na Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana na Assembleia Legislativa (ALMG), o parlamentar disse acreditar que a celebração do acordo depende agora apenas de um parecer do governo federal. O presidente da comissão, Ulysses Gomes (PT), concorda que a tramitação da ação na Justiça inglesa seja uma preocupação para o acordo de repactuação no Brasil. Mas, segundo ele, é preciso incluir os atingidos no processo. Durante a audiência, moradores das áreas afetadas criticaram a falta de participação no processo de repactuação no país. Eles alegam que o acordo beneficia as empresas, o Estado e a União. “Essa é uma preocupação nossa, por isso a agilidade da comissão para que a gente não seja atropelado por um acordo em Londres inviabilizando qualquer acordo aqui. Vamos buscar apoio do governo federal, do Ministério Público, da Advocacia Geral e das defensorias para não deixar que isso aconteça”, pontuou. Ele criticou a “pressa” do Estado em firmar o acordo. “Querem atropelar o acordo, garantindo recursos para o Estado. Não vamos deixar que esses recursos sejam distribuídos sem critérios e não cheguem aos atingidos, sendo utilizado em escolhas políticas sem ouvir quem precisa. Não podemos acelerar sem ouvir os atingidos”, completou.
Moradores esperam por Justiça inglesa
Durante a primeira audiência pública da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, os atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão cobraram maior participação no acordo de repactuação. Para o produtor rural Marino D’Angelo Júnior, representante dos atingidos do distrito de Paracatu de Cima, a repactuação, da forma como vem sendo conduzida não vai resolver os problemas da população prejudicada pela tragédia. Ele acredita mais na ação que tramita na Justiça inglesa. “Sou brasileiro, amo ser brasileiro, mas tenho vergonha da Justiça brasileira. Acredito que o processo em Londres será mais justo; aqui, pelo que parece, o poder econômico tem falado mais alto”, lamentou Mariano. “Essa espera é muito dolorosa, meus tios e meu irmão morreram e não viram nada acontecer. A gente vive com medo de morrer e não ser indenizado. O acordo aqui não tem a nossa participação”, afirmou a moradora de Bento Rodrigues, Mônica dos Santos.
A defensora Raquel Gomes de Sousa argumenta que o processo de repactuação do acordo no Brasil pelo rompimento da barragem de Mariana contempla áreas que não estão sendo levadas em consideração na ação julgada pela Justiça inglesa. Para ela, o acordo discutido no Brasil é mais justo. “O nosso acordo é mais completo, trata-se de uma reparação ambiental, socioeconômica e de reparação das pessoas atingidas, além de programas de transferência de renda e expectativa das comunidades. Nada disso está na ação de lá”, pontuou.
O secretário adjunto de Planejamento e Gestão, Luís Otávio Milagres de Assis, criticou a lentidão do processo de reparação e negou que o acordo seja para o governo de Minas. “A população tem pressa. As mineradoras precisam ser responsabilizadas efetivamente. Sete anos depois, nem mesmo as casas dos reassentamentos foram entregues. O poder público não pode tolerar a postura protelatória das empresas, que judicializam todos os detalhes do processo de reparação de danos”.
Segundo o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Luiz Fernando Bandeira de Mello, um dos mediadores do acordo, a repactuação não foi concluída porque, com a mudança de governo federal, vários ministérios e agências reguladoras ainda não se inteiraram das discussões. De acordo com ele, o órgão tem feito um enorme esforço para garantir a participação popular no processo. Ele negou que os atingidos não tenham sido ouvidos, uma vez que as negociações contam também com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública, que defendem os interesses dos atingidos. Ainda segundo ele, o novo acordo vem sendo construído ao longo de 18 meses, e sua minuta já tem mais de 400 páginas. “A prioridade é buscar devolver aos atingidos sua dignidade e seu modo de vida que existiam antes do rompimento da barragem”, afirmou o conselheiro do CNJ.
Procurada, a Samarco, com o apoio de suas acionistas Vale e BHP Brasil, afirmou que “permanece aberta ao diálogo e reforça o compromisso com a reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, viabilizando medidas de reparação em favor da sociedade”. Segundo as empresas, até janeiro de 2023, foram indenizadas mais de 410,8 mil pessoas, tendo sido destinados mais de R$ 28,42 bilhões para as ações executadas pela Fundação Renova.
Questionada sobre as críticas feitas durante a audiência, a Fundação Renova, por sua vez, informou que até o início do ano, foram pagos R$ 13,7 bilhões em indenizações e Auxílios Financeiros Emergenciais.
Em nota, a Renova afirmou ainda que, até o momento, das 560 famílias com imóveis afetados pelo rompimento da barragem de Fundão, 263 tiveram os seus “casos resolvidos com a mudança para os seus novos imóveis ou indenizações”.
Já nos novos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, 166 imóveis estão com as obras finalizadas, e as mudanças irão ocorrer gradativamente conforme a conclusão das casas e a manifestação da intenção das famílias. Segundo a fundação, o rio Doce demonstra níveis históricos de qualidade da água, que pode ser consumida pela população após tratamento convencional.