Apenas um em cada dez pais e responsáveis leem os termos de consentimento dos jogos e aplicativos digitais voltados para crianças, de acordo com pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) e pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). As letras miúdas que, se fossem impressas, facilmente preencheriam páginas e páginas, aparecem na tela logo antes dos jogos e aplicativos começarem a funcionar. Para acessar esses conteúdos, é preciso estar de acordo, e a maioria das pessoas marca essa opção.
Os resultados da pesquisa foram publicados no artigo Capitalismo de vigilância, poder da digitalização e as crianças: uma análise do discurso de pais e tutores na revista Cadernos EBAPE.BR e divulgada pela Agência Bori. Os pesquisadores aplicaram um questionário online, com 24 perguntas fechadas, a 565 pais e tutores nos meses de setembro e outubro de 2020, durante a pandemia. Desses, 107 também preencheram questão discursiva opcional, compartilhando depoimentos sobre o assunto por escrito.
Mais de 75% dos responsáveis por crianças de até 12 anos relataram aumento do uso de jogos e aplicativos digitais e da visualização de canais infantis durante a pandemia. Porém, 90% não leem os termos de consentimento de mídias e dispositivos utilizados por eles.
Nos termos de consentimento estão, por exemplo, os dados que são captados por meio do aplicativo e o que pode ser feito com esses dados, que podem inclusive ser vendidos ou repassados para outras empresas. Jogos e aplicativos podem, por exemplo, usar a tecnologia que disponibilizam para entender padrões de comportamento e sugerir conteúdos para as crianças, entre outros. “Hoje não temos qualquer conhecimento, nem de especialistas, nem do Estado, ninguém tem conhecimento de como esses sistemas de algoritmos tratam os dados, nem dos cruzamentos feitos, nem dos testes com usuários”, diz o pesquisador da FGV EAESP Fernando Vianna. Segundo ele, diversos termos de consentimento de plataformas analisadas dizem que podem fazer testes durante o uso. “Se para adultos isso é prejudicial, imagina para a criança”, ressalta.
Um exemplo dado pelo pesquisador é o de plataformas de vídeo e streaming que têm sessões especiais para crianças. Após o fim de um conteúdo, oferecem outro. “Esse conteúdo não é o melhor de acordo com esforços pedagógicos de formação, são conteúdos que a plataforma decide. E as plataformas são organizações, empresas que buscam seus interesses de acúmulo. Estão fazendo isso por meio das nossas crianças. Acho que uma palavra adequada para isso é: cruel”, diz, Vianna.
O estudo mostra que mais da metade, o equivalente a 56%, das crianças da amostra têm seu próprio celular, e alguns pais e tutores relatam controlar o tempo de uso de dispositivos pelas crianças como medida principal para restringir a exposição aos conteúdos digitais. Mas esse esforço individual não evita a disponibilização de dados do público infantil para as plataformas.
Pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), aprovada no Brasil em 2018, o tratamento de dados pessoais de crianças deve ser realizado com o consentimento específico e em destaque, dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal. A lei também estabelece que as informações sobre o tratamento de dados deverão ser fornecidas de maneira simples, clara e acessível, para proporcionar a informação necessária aos pais ou ao responsável legal, adequada ao entendimento da criança.