A hepatite severa e aguda que tem afetado crianças de 1 mês a 16 anos em todo mundo, com oito casos suspeitos em Minas Gerais, tem desafiado a comunidade científica. O Instituto Butantan traçou quatro possíveis causas para a doença misteriosa. Isolamento prolongado em função das medidas de prevenção à Covid-19 é uma das hipóteses, mas nada foi efetivamente confirmado.
Segundo documento do Ministério da Saúde voltado para orientar profissionais de saúde em todo país, que a reportagem teve acesso, o isolamento na pandemia poderia ter alterado a imunidade das crianças, uma vez que “o confinamento foi uma mudança dramática e enorme no comportamento da sociedade, as crianças não tiveram exposição habitual a esses vírus durante a pandemia da covid-19” e, por isso, “podem estar apresentando respostas imunes graves e considerando os resultados laboratoriais neste inverno vimos aumento em toda a gama de vírus incluindo adenovírus”, explica.
Para o infectologista Marcelo Otsuka, essa teoria não pode ser descartada de imediato, mas é preciso fazer algumas ressalvas. “As crianças de fato não tiveram contato com os vírus que tradicionalmente circulam e por conta desse não contato pode ocorrer uma resposta exacerbada do organismo à doença. Mas, se pensarmos que o adenovírus pode ser um dos agentes relacionados a essa hepatite, temos que levar em conta que não houve redução da circulação de adenovírus nesse período de isolamento. Tivemos redução da circulação de outros, como o de influenza”, diz.
A outra hipótese levantada pelo Butantan é a de que a doença estaria de fato relacionada ao adenovírus. O ministério da saúde cita o virologista da Universidade de Bristol, David Matthews, que explica que o vírus, normalmente associado a doenças sem grandes complicações, pode ter mudado ou algo acontecido com os pacientes. Por essa razão, a resposta dos organismos ao vírus teria se concentrado no fígado e não no trato respiratório como é o comum.
Outra possível explicação para o surgimento da hepatite misteriosa é a de a doença ser uma possível sequela pós-covid, mas o próprio Ministério da Saúde pondera que “não existem evidências, nem informações de uma nova variante que pode ser a causa específica”.
Para Otsuka, a ligação com a Covid-19 é algo que precisa ser melhor estudado. Ele lembra que foram registrados casos da chamada Síndrome Inflamatória Multissêmica Pediátrica em crianças que tiveram coronavírus e que a hepatite misteriosa também pode ser uma resposta imunológica do organismo das crianças à Covid, da mesma forma. “
Ainda com base nos estudos do Butantan, o ministério alerta que uma hipótese para o avanço da doença seria a presença de toxina no ambiente ou nos alimentos. A agência de saúde do Reino Unido (UKHSA) já realiza estudos epidemiológicos que envolvem a avaliação do ambiente, demografia e ingestão alimentar das crianças e, até o momento, não existem evidências para o desfecho.
Em nota o Ministério da Saúde disse que já foi notificado de 51 casos da doença, sendo que 47 estão sendo monitorados e quatro foram descartados. Até a manhã de terça-feira (17), nenhum caso foi confirmado no país. “A pasta instalou uma Sala de Situação para monitorar e acompanhar os casos no Brasil. A iniciativa tem como objetivo apoiar as investigações, bem como o levantamento de evidências para identificar as possíveis causas. A sala conta com a participação de técnicos do Ministério da Saúde, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e outros especialistas”, diz o ministério.
A secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais informou ter sido notificada por oito casos suspeitos no Estado, sendo que três foram descartados e cinco seguem em investigação. Os casos em investigação foram notificados em Belo Horizonte, Juiz de Fora e Montes Claros. Os casos descartados foram notificados em Montes Claros e Divinópolis. Os principais sintomas relatados foram dor abdominal e vômitos, acompanhados de alterações de enzimas hepáticas.